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O problema em 'pensar demais' e a importância da automatização de princípios

**Este trabalho foi originalmente publicado no site da Universidade do Futebol


Um jogador de basquete que acerta 80% dos lances livres em treino pode vir a perder o lance livre da vitória em uma partida, isso porque, na intenção de alcançar o resultado desejado, ele monitora o ângulo do seu pulso ou o momento exato de soltar a bola durante o arremesso. Após exaustivas horas de prática e treinamento, estes componentes do desempenho são detalhes que normalmente o nosso jogador não dedicaria sua atenção. E, paradoxalmente, tal atenção é prejudicial para os processos relacionados ao desempenho que, normalmente, ocorrem sob a esfera do inconsciente (Jackson & Beilock, 2012). De acordo com os autores, este fenômeno é chamado de Paralysis by analysis.

A fim de suportar as ideias relacionadas a este fenômeno, Jackson e Beilock (2012) realizaram um estudo com jogadores de futebol de alto nível, onde estes foram solicitados a realizar dribles entre uma série de cones enquanto deveriam prestar a atenção no lado do pé com o qual eles tocavam na bola em cada movimento. A intenção era atrair a atenção do jogador para a realização destas ações de uma forma que não acontece normalmente. Como resultado, a execução do drible foi pior (mais lento e com mais erros) quando os jogadores tiveram de prestar atenção nas ações quando comparadas com a condição em que driblaram sem nenhuma instrução.


Já em outro estudo, quando os jogadores foram solicitados a definir um objetivo para maximizar o seu sucesso, aqueles que escolheram manter a atenção em elementos técnicos (ex: manter-se ‘solto’ e com os joelhos semi-flexionados) obtiveram resultados piores do que o normal (Jackson & Beilock, 2012). Portanto, estas pesquisas sugerem que prestar muita atenção em habilidades e ações já assimiladas e altamente treinadas resulta em decréscimo do nível de desempenho.


Neste momento, gostaríamos de estender as ideias apresentadas até aqui para as situações mais recorrentes do jogo de Futebol, nomeadamente os momentos de ataque, defesa e transições. Se as ações que ocorrem, dominantemente, ao nível do subconsciente são aquelas que conduzem a um melhor nível de desempenho na tarefa, os princípios de jogo adquiridos em treino assumem aqui um papel fundamental. A construção e o desenvolvimento de princípios de jogo para cada momento da partida, além de configurar uma organização coletiva, se operacionalizados de maneira eficiente manifestam-se como hábitos ou automatismos (que é diferente de mecanismos) que são benéficos e sendo assim desejáveis para o desempenho não só individual como coletivo.


Mas, de acordo com os autores, prestar muita atenção pode às vezes ser necessário. Por exemplo, ao fazer mudanças em habilidades já aprendidas, o que consequentemente pode causar uma queda temporária de rendimento. Uma parte crítica deste processo envolve progredir para um nível em que esta nova habilidade aprendida passe a ser executada de forma automatizada ou com o mínimo de pensamento consciente (Jackson & Beilock, 2012).


O parágrafo acima incita-nos a pensar sobre o fato de que o processo de treino e, portanto, de ensino-aprendizagem (pois quando falamos em construção de princípios, falamos sempre de um processo de ensino-aprendizagem, independentemente do nível de rendimento dos envolvidos) é não-linear, onde existem progressos e retrocessos durante todo o processo, e é por esse motivo que se diz complexa. Portanto e adaptando a fala dos autores, “a parte crítica do processo é que este ‘novo princípio’ aprendido passe a ser executado de forma automatizada ou com o mínimo de pensamento consciente”. Ou seja, que se torne um hábito, mas mais importante do que isso, um hábito que se adquire na ação.


Contudo, em outra pesquisa realizada e citada por Jackson e Beilock (2012), eles chegaram a um resultado bastante interessante. Neste trabalho, iniciantes solicitados a prestar atenção em como estavam executando suas ações no Baseball (rebatidas) e ao realizar dribles no Futebol (mesma tarefa citada anteriormente) não apresentaram decréscimos de desempenho em comparação a uma situação normal, em que rebateram e driblaram sem nenhuma instrução. Diferente dos atletas experts, os iniciantes que estão apenas começando precisam prestar maior atenção ao processo e aos procedimentos de ensino-aprendizagem, a fim de alcançar o objetivo desejado. Deste modo, iniciantes não são prejudicados por condições que atraiam sua atenção para o desempenho – e de fato, geralmente melhoram com tal nível de atenção (Jackson & Beilock, 2012).


Neste ponto da pesquisa, há evidências relacionadas ao caminho percorrido pelos jogadores dentro de um processo de ensino-aprendizagem e por assim dizer, da InCorporAção de princípios de jogo. Pois, inicialmente existe a exigência natural de altos níveis de concentração e atenção por parte dos jogadores, que com o decorrer do processo e com os devidos ajustamentos (progressos e retrocessos) esses princípios passam a se manifestar quase totalmente ao nível do subconsciente, tornam-se hábito. O que consequentemente “liberta” o pensamento consciente para a resolução dos detalhes e para a gestão da imprevisibilidade do jogo. Utilizando uma frase que Fernando Pessoa dizia relativamente à Coca-Cola: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”.


Destarte, é importante reter daqui o conhecimento de que o processo de treino é não-linear e complexo. Também o papel do subconsciente na aquisição de comportamentos e a importância da criação de hábitos por parte dos jogadores, estes relacionados com os princípios de jogo que o treinador pretende desenvolver na sua equipe. No fundo, e por mais paradoxal que possa parecer (mas que na realidade revela-se complementar), trata-se de desenvolver automatizações que irão beneficiar a gestão da imprevisibilidade.



*Bacharelado em Educação Física – Faculdade Metropolitana de Blumenau

*Idealizador do GEPAF (http://gepafestudos.wix.com/futebol)



REFERÊNCIAS


Jackson, R. C.; Beilock, S. L. Performance pressure and paralysis by analysis: research and implications. In: Farrow, D.; Baker, J.; MacMahon, C. (Ed.). Developing Sport Expertise. New York: Routledge, 2012. p. 104-114.

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